Muito além do rótulo

Com os pés no chão e sem medo, Maria Izabel transformou a história de Paraty e da cachaça brasileira. Conheça a mulher que dá nome a uma das mais consagradas bebidas nacionais

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“Eu estava botando fogo na fornalha e moendo cana ao mesmo tempo, quando chegaram umas mulheres em uns carrões. Elas queriam conhecer o alambique e eu disse: ‘Pois não, eu sou Maria Izabel’. Surpresas, elas responderam: ‘Você? Achamos que a Maria Izabel estivesse nas Bahamas!’.” O episódio acima, narrado em meio a gargalhadas, descreve perfeitamente quem é a tal Maria Izabel, dona do alambique de mesmo nome, cuja cachaça é produzida de maneira artesanal desde 1996 na cidade de Paraty.

Aos 71 anos, ela continua na ativa à frente de seu Sítio Santo Antônio, ainda que nos últimos meses tenha se afastado de algumas etapas da produção por motivos de… ossos do ofício: “Estava destilando em um dia de chuva, escorreguei em um degrau e quebrei a perna”. Maria Izabel é assim: destemida, coloca as mão na massa e os pés no chão. Literalmente. Os pés descalços já viraram uma de suas marcas registradas, junto com os longos cabelos grisalhos, quase sempre presos em uma trança. “Já faz muito tempo que eu não uso sapatos, eles foram me incomodando. Eu nasci em fazenda, entre cachoeiras, cavalos, canoas e o mar… aquilo não combinava.” Tanto que, segundo ela, seus calçados se tornaram meramente artigos de viagem e ainda assim a muito custo. Por sorte, Maria Izabel gosta mesmo é de estar em um refúgio tranquilo como Paraty, onde nasceu, cresceu e vive até hoje.

O ALAMBIQUE

Há quem pense que o alambique de Maria Izabel é consequência da longa tradição de sua família no ramo da cachaça. Ledo engano: ainda que registros indiquem que seu bisavô paterno produzia e exportava a bebida em meados do século 19, esse legado se encerrou por volta da década de 1940, quando Maria Izabel ainda nem era nascida. “Eu não quis resgatar nenhuma tradição, mas o caminho foi levando para isso. Um dia, passando pela vizinhança, vi uma pessoa cortando cana e pedi para guardar as pontas. Mais tarde, fui lá de canoa, trouxe comigo e plantei.” Com o tempo, o canavial começou a crescer a ponto de finalmente ter uma resposta financeira: “Ofereci a produção a um engenho. Foram dois caminhões de cana. Eu contratei pessoas para cortar, transportar de burro até a estrada e, em troca, recebi 40 litros de cachaça. Foi um fracasso”, relembra. Ao invés de desistir, Maria Izabel buscou forças para montar o próprio alambique e se consagrou como a produtora da cachaça com o menor índice de acidez de Paraty. O feito se deve ao frescor de sua cana, que, por ser plantada no próprio sítio, é cortada e moída no mesmo dia. “Não existe segredo para produzir uma boa bebida, basta se dedicar cuidadosamente a cada uma das fases do processo”, garante. 

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LUGAR DE MULHER É ONDE ELA QUISER

A veia empreendedora de Maria Izabel e toda a bagagem adquirida com anos e anos de ofício não são à toa. “Minha mãe ficou viúva com cinco filhos e trabalhou muito. Ela foi a primeira mulher vereadora de Paraty e talvez uma das primeiras do Brasil”, conta. Maria Izabel não fez por menos: quando inaugurou seu engenho, estava grávida de seu sexto bebê e, antes disso, já havia trabalhado com uma série de atividades nas redondezas, de vendedora de frutas a guia turística. Coincidentemente ou não, só teve filhas mulheres: Izabel, Maria, Mabel, Mariza, Maíra e Maia. Uma história repleta de feitos grandiosos e fortíssimos para quem, durante a infância, brigava com o medo. “Eu tinha medo de ter medo e vivia me desafiando”, lembra. Tem jeito mais Maria Izabel de fazer acontecer?

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MALAS PRONTAS

Para quem pretende viajar para Paraty, uma boa notícia: o Sítio Santo Antônio conta com um chalé e uma casa disponíveis para locação. Já para quem prefere viver a experiência de se hospedar nas casas coloniais do centro histórico da cidade, a dica é a Casa Turquesa, que, além de todo o charme, tem um atrativo a mais: uma versão personalizada da cachaça Maria Izabel, com o rótulo feito especialmente para a pousada.

Texto por YASMIN TOLEDO
Fotos por GUIDO NIETMANN e ROBERTA PISCO

Gabriella Mondroni

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