Repair is Beautiful - Projeto de Paulo Goldstein
O olhar inquieto parece vislumbrar o porvir, captando sinais sutis e analisando o que nos cerca. Foi nosso sentimento ao visitar o designer Paulo Goldstein em uma tarde quente de janeiro. Talvez o paulistano de 34 anos tenha a expressão intensa e suave porque propõe uma reflexão profunda em relação ao sistema que nos move. E ele manifesta conceitos impactantes através do design. Conheça esse trabalho agora!
Das massinhas ao design
Durante toda a sua vida Paulo acreditou que seria dentista, mas acabou estudando Artes Plásticas na FAAP. Entre as primeiras memórias do contato com este universo, ele se lembra de ter ido na oficina em que o pai constrói barcos artesanais. Ali, descobriu um bloco velho de massinha e percebeu que poderia fazer qualquer coisa. “Minha criatividade voou. A partir daí eu me encontrei. Sempre tive uma paixão forte em colocar a mão na massa”, recorda.
Massinhas, bonecos e criações da infância continuam conservados
Após concluir o curso, foi à Europa e sua vida mudou ao contatar a Mackinnon & Saunder, estúdio de animação localizado em Manchester. O que seria um estágio de uma semana, virou um trabalho de quatro anos que rendeu a participação na criação de peças para os filmes de Tim Burton e Wes Anderson. Paulo vivia seu sonho, até que a crise financeira de 2008 fez o mundo inteiro acordar. Seu emprego foi perdido e não existia estabilidade para continuar na cidade. Era tempo de mais uma reviravolta.
“Eu repensei a vida com quase 30 anos e fiz um mestrado de Design Industrial na Universidade Central Saint Martins, em Londres. Durante os estudos, percebi fatores que poderiam ter causado a crise. E eu descobri um sistema complexo e caótico.”
Repair is Beautiful
O que Paulo Goldstein notou após a crise, seus problemas pessoais e inúmeras reflexões, é que existe muita especulação e achismo em todos os meios. “Isso se chama Teoria das Consequências Não Intencionais”, explica. A ideia é, basicamente, que toda ação gera um efeito. E, muitas vezes, é o caos e a frustração, nos inserindo em um sistema absurdo que não reparamos. Ele começou a pensar o que poderia fazer com esse conceito e resolveu criar um projeto de design que serviria como tese do Mestrado.
“A proposta era: como o design conseguiria me ajudar a resolver frustrações? Não que vá resolver, mas pelo menos canalizá-las. É uma ideia de projeção que vem da psicologia. É transferir a frustração para alguma coisa. E eu transferi para objetos quebrados”, conta.
Assim nasceu o Repair is Beautiful, que entre gambiarras e remendos oferece uma nova perspectiva a objetos danificados. “Meu design é a gambiarra”, diz Paulo. A proposta de tornar o caos visível e dar a ele novas dimensões se manifesta em cada uma de suas peças.
O primeiro desafio foi consertar uma luminária Anglepoise. Ele queria transformá-la da mesma forma que nosso sistema invisível é reparado. Ou seja, com improvisos.
Depois, ele trabalhou em uma Cadeira Diretor que foi encontrada no lixo. Nela, experimentou várias modificações e materiais como o metal, o aço e cabos. O objeto já ganhou admiradores e será exposto em março no museu londrino Victoria and Albert.
E as ideias não param por aí. O próximo artigo é um iPod Shuffle que estava amassado. A parte eletrônica funcionava, mas o aparelho não ficava mais suspenso na roupa. A solução apareceu graças a uma costela de boi servida no almoço da universidade. É isso mesmo, o iPod seria remontando sobre o osso que sobrou da refeição!
“Pensei na junção de uma tecnologia de ponta que tinha ficado ultrapassada com a ferramenta de osso, que era artesanal e passava por gerações. Juntei a tecnologia primitiva ao contemporâneo.”
Ações e reações
Quando questionamos a reação do público, Paulo afirma que as pessoas olhavam e não questionavam. Comentavam a escolha do material e o resultado estético, mas não o conceito.
O que o designer percebeu é que tinha concebido grandes distrações para o real problema que apresentava. “Em uma comparação direta, nós vivemos no caos e perdemos o foco diante das distrações do dia a dia. Nunca escondi o problema da minha arte. Eu deixava a situação visível e criava um circo ao redor. Assim ninguém encontrava. A estética era fundamental para causar atração visual e o objetivo foi alcançado perante a estranheza da junção das coisas”, afirma.
E o caos continua!
Mesmo depois de entregar a sua tese final, Paulo continua a reformar móveis e objetos a partir do reaproveitamento de materiais.
E não há um processo linear ou uma criação planejada. Boa parte dos elementos que ele utiliza são achados por acaso e seriam desperdiçados. Suas formas acabam conduzindo o nascimento de cada peça. “A forma me informa e gera ideias. Eu vou construindo e fazendo sem planejar muito”, explica.
Seu outro projeto — Scarcity — continua como uma etapa de reflexões sobre o sistema, o reaproveitamento e a reparação. Ele foi encomendado pela central Saint Martins e virou coleção permanente.
Além disso, para o futuro, já há novos convites de exposições e galerias querendo representar o seu trabalho. Paulo, que hoje tem parte do seu estúdio em Londres e outra em São Paulo, afirma que tem vontade de ampliar e fortalecer o projeto. O plano é se estabelecer definitivamente no Brasil em breve. E nós vamos aguardar as novidades deste designer crítico, sensitivo e caoticamente criativo.
Fotos 1, 2 e 3 © Ramanaik Bueno | Demais fotos: Site oficial de Paulo Goldstein