Selva urbana
Ao colocar a natureza dentro de seu apartamento na zona central de São Paulo, o arquiteto Rogério Gurgel constrói um espaço vivo, orgânico e sempre aberto a mudanças
Por Larissa Bomfim
Se não fosse pelo barulho dos carros e do movimento urbano do bairro da Consolação, o apartamento de 84m² do arquiteto Rogério Gurgel poderia ser confundido com uma casa despretensiosa em algum bairro mais tranquilo de São Paulo – ou até em seus arredores.
No ambiente principal, que integra cozinha, living e sala de jantar, dois janelões de vidro permitem que a luz do sol entre e ofereça um respiro ao ritmo frenético da cidade. Paredes, pisos e teto ganharam tons claros para que os detalhes, repletos de personalidade, transmitam a história dessa morada e de seu proprietário.
“Durante a minha infância, eu e minha família sempre moramos em casas, no interior, com quintal, plantas, cachorro… Quando vim para São Paulo, quis morar em um apartamento que parecesse uma casa e fiz vários esforços para tentar trazer essa atmosfera de quintal, que é um pouco mais orgânica, rústica, com materiais mais táteis. [O apartamento] acaba sendo uma grande expressão disso tudo e de uma vontade de me conectar com a natureza’, diz o arquiteto
O desejo segue presente por todos os cantos. No centro, uma ilha feita com uma pedra de mármore chamada Silestone Cygnus – um achado, guardado há mais de 7 anos em uma marmoraria antes de Rogério recuperá-lo. Na sala de jantar, um degrau elevado com pisos de cerâmica e uma floreira embutida no assento da mesa, com um filodendro que, aos poucos, toma conta da sala de estar. Vasos com costelas-de-adão volumosas se mesclam com o sofá amarelo e, na cozinha, há uma parede por terminar.
“As pessoas entram aqui e perguntam: ‘por que você não finalizou a parede? Deu infiltração?’ E, na verdade, é mais simples: o pedreiro começou a tirar os azulejos para a gente emassar e pintar por cima, mas era muito duro. Ele disse que demoraria uma semana para remover tudo e eu falei para deixar do jeito que estava – e assim ficou”, conta.
Em seu “apartamento-casa”, o arquiteto carrega suas próprias memórias de infância, suas raízes, e, também, sua relação com a cidade. “Costumo dizer que eu me inspiro muito mais no que tem ao redor da arquitetura do que na arquitetura em si. A gente sempre tem [uma inspiração], independente se é filme que a gente ama, um restaurante que adoramos, uma exposição marcante. Eu resgato esses elementos da minha vivência e os coloco em projetos.”
O contraste fica por conta dos outros ambientes: o quarto é off-white (“tonalidades calmas, focando no espaço de relaxamento”, explica Rogério); o escritório segue a mesma paleta de brancos e beges, enquanto o banheiro é inteiramente verde, da banheira ao espelho. “É meu momento de imersão máxima, então eu quis criar essa perspectiva de uma mata, uma selva urbana. Apesar de não ser o maior lugar do apartamento, é o que eu mais gosto de ficar”, completa.
E, apesar de tudo ali estar na mais perfeita harmonia, nada é permanente. Para Rogério, o valor de uma casa é justamente sua capacidade de expressão: a possibilidade de mostrar quem somos através de elementos da arquitetura e de design, algo que ganhou ainda mais importância com a pandemia. E de ser também um espaço de criatividade e mudanças, sejam internas ou externas.
“Gosto de pensar na casa como um ambiente estimulador, das coisas poderem circular, mudar de lugar. Pra mim, é muito difícil imaginar uma rigidez de disposição que não permita que a pessoa vá em uma loja, ou viaje e traga algo para a casa dela. É quase antagônico, mas um bom projeto precisa ter lacunas para que a gente possa ir preenchendo com as nossas vivências. Essa é a riqueza de uma casa, um organismo vivo que vai se construindo ao longo do tempo”, finaliza.